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Dispêndios relativos a call center geram créditos de PIS e Cofins

Tributário

03 de agosto de 2022

Desde a instituição da sistemática não cumulativa da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), nos vemos às voltas de infindáveis discussões e controvérsias na esfera administrativa, sobretudo no que diz respeito ao aproveitamento de créditos.

O cerne da questão está em definir o real alcance do vocábulo "insumo", previsto nas Leis nº 10.637/2002 (PIS) e nº 10.833/2003 (Cofins): "Artigo 3º [...] a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: [...] II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda [...]".

Há anos, na busca de um conceito mais efetivo para esse termo, percebemos que os Tribunais vêm ratificando que a abrangência da não-cumulatividade está vinculada ao próprio fato gerador do PIS e da Cofins, uma vez que os gastos necessários para a geração da receita devem ser registrados pelos contribuintes como insumos, de modo a neutralizar o efeito econômico provocado pela incidência em cascata.

Como amplamente debatido, em sede de recurso repetitivo, o Supremo Tribunal Judiciário (STJ) firmou o entendimento de que, para fins de aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins, os contribuintes devem considerar como insumo todos os dispêndios necessários e essenciais para o "exercício estatutário da atividade econômica" (REsp nº 1.221.170/PR - Fev/2018). Nessa ocasião, foi apresentada a definição de insumos, que se referem àqueles bens ou serviços que comprometem a consecução da atividade-fim da empresa, estejam eles empregados direta ou indiretamente em tal processo, tendo em mente a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

Em síntese, o STJ considerou que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância. Ora, sem o "essencial", não há como o produto ou o serviço existir com a devida qualidade, bem como não é permitido tê-los em quantidade e/ou suficiência. O critério da relevância, por sua vez, está relacionado à função da despesa na atividade desenvolvida pelo contribuinte, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal.

Com base no efeito vinculante da decisão proferida pelo STJ, o Fisco Federal apresentou novos critérios para o aproveitamento de créditos, nos termos do Parecer Normativo Cosit nº 05/ 2018 e na IN RFB nº 1.911/2019, trazendo novos contornos ao conceito de insumo.

A nosso ver, os critérios em questão (essencialidade e relevância) não podem ser aplicados indiscriminadamente a qualquer dispêndio ou qualquer setor empresarial; não é isso o que pretendemos defender. No entanto, não se pode ignorar os excessos e exigências impostas pelo Fisco Federal, internalizados no âmbito administrativo, com base em uma interpretação ilegal e restritiva da legislação aplicável e do próprio REsp nº 1.221.170/PR.

Nesse contexto, é indispensável avaliar o conjunto das atividades econômicas desenvolvidas por cada contribuinte (exame casuístico), fundado na imprescindibilidade ou na importância do dispêndio na operação, levando em consideração as peculiaridades de cada setor, de modo que, aquilo que é considerado insumo para um, pode não ser para outro; e vice-versa.

Sem qualquer pretensão de exaurir o tema, convém aqui abrir rápidos parênteses. Nos termos do artigo 172 da IN RFB nº 1.911 de 2019, consideram-se insumos as despesas essenciais ou relevantes, que integram o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços, trazendo uma conexão direta com o inciso II do artigo 3º (Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003) no próprio dispositivo legal. O referido art. traz, ainda, um rol do que poderia vir a ser considerado insumo [1], de maneira a apresentar uma relação de gastos que não podem ser apropriados pelos contribuintes [2], abarcando, por exemplo, aqueles utilizados em operações comerciais (pós-produção).

Contudo, é importante destacar que no REsp nº 1.221.170/PR, não se estabelece a obrigatoriedade de um momento predeterminado para que o elemento utilizado nas atividades seja considerado insumo, isto é, o dispêndio o será se preencher os critérios e o mapeamento da essencialidade ou relevância, seja antes, durante ou depois do alcance do produto final, desde que vinculado com a atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte.

É nessa conjuntura que a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) admite, há longos anos (mesmo antes da decisão do STJ), o aproveitamento de créditos sobre despesas decorrentes de imposição legal, aplicadas na etapa da pós-produção — vale dizer, após o término do produto final —, a exemplo dos dispêndios relacionados ao cumprimento de obrigações ambientais (e.g. o tratamento de efluentes e o descarte de resíduos industriais).

Desse modo, o que foge à nossa compreensão é o fato de o Fisco Federal deliberadamente escolher adotar caminhos que contrariem até mesmo a evolução jurisprudencial, com efeito vinculante, o que representa um verdadeiro retrocesso no ordenamento jurídico. No cenário atual, vislumbramos que é necessário estabelecer limites no âmbito administrativo, em caráter de urgência.

Pois bem, chegamos ao ponto central. Em compreensível entendimento do que foi exposto, é legítimo o aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins sobre os dispêndios vinculados com o oferecimento de call center pelo fornecedor (contribuinte) aos seus clientes, por força de legislação consumerista, pois se trata de expressa imposição legal.

Observa-se tal obrigatoriedade legal no artigo 4º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor (CDC — Lei nº 8.078 de 1990), que impõe às empresas condições relacionadas à implementação de mecanismos no controle de qualidade e segurança dos produtos e serviços, bem como a criação de canais de solução de conflitos para que exerçam suas atividades, mesmo que não se enquadrem no âmbito dos fornecedores obrigados a oferecer o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), taxados no Decreto nº 11.034, de 05 abril de 2022 [3].

Posto isso, pode-se afirmar que os canais de atendimento ao consumidor funcionam tanto como um instrumento para que os clientes da empresa possam obter informação adequada e clara sobre os produtos adquiridos, quanto como uma forma de sanar dúvidas em relação aos procedimentos, como em caso de defeito ou vício do bem ou serviço comercializado. Ademais, o fornecedor tem o dever de, em observância à Política Nacional das Relações de Consumo, implementar meios para resolução das controvérsias consumeristas.

De acordo com as diretrizes estabelecidas pelo CDC, o consumidor tem direito de reclamar ao fabricante por vícios aparentes ou de fácil constatação em até 30 dias — no caso de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis — e, até 90 dias para os produtos duráveis, com base no artigo 26, incisos I e II. No mais, não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha, a substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço, com fundamento no artigo 18, §1º.

Convém, sobre isso, realizar uma reflexão. Mais do que as consequências diretas que a pandemia do Coronavírus (Covid-19) trouxe para a sociedade, percebemos rápidos avanços tecnológicos como reflexo do distanciamento social. No contexto proposto neste artigo, verifica-se que essa situação ocasionou uma diminuição do atendimento físico pelas empresas, o que faz com que os serviços de call center se tornem cada dia mais relevantes no acesso às informações pelo consumidor final e, consequentemente, na atitude de que os fornecedores aumentem suas despesas relacionadas ao aperfeiçoamento das ferramentas de contato remoto.

Notamos que, além dos avanços tecnológicos contribuírem para a consecução das atividades das pessoas jurídicas, eles acolhem indiretamente o cliente (consumidor) no próprio processo produtivo, pois seu retorno engendra novas etapas, testes de qualidade e simulações das condições do produto, garantindo a manutenção das atividades.

Dessa forma, percebemos que esses serviços, os de call center, assumem, cada vez mais, papel representativo no custo de produção, gerando eficiência, aprimoramento de produtos e a própria aceitação no mercado, o que reflete diretamente na lucratividade do negócio.

Compreende-se, portanto, que, sem os dispêndios de call center, as empresas não poderiam desenvolver suas atividades na integralidade, pois sequer teriam como iniciar e/ou manter um relacionamento com seus clientes, além de estarem agindo em discordância com as normas impostas pela legislação consumerista, de forma a trazer riscos de sujeição às sanções e multas previstas em caso de descumprimento.

Diante dos elementos apresentados, não há dúvidas de que os serviços de call center finalizam e concretizam a venda do produto/serviço, visto que, se retirados, impossibilitariam até mesmo o desenvolvimento da atividade econômica da pessoa jurídica.

Noutros termos, significa dizer que, com a recusa da venda — diante da ausência do oferecimento de call center —, não há faturamento e recolhimento do PIS e da Cofins junto ao Fisco Federal. É até intuitiva essa afirmação.

O tema, como se vê, comporta espaço para debates aprofundados, sendo necessário um amadurecimento dos conceitos e critérios estabelecidos pelo STJ para os dispêndios obrigatórios (imposição legal — relevância), com a devida razoabilidade e vinculação com a atividade econômica desenvolvida pela pessoa jurídica, podendo seu descumprimento acarretar até mesmo a suspensão de fornecimento de produtos ou serviços no mercado.

[1] [...] § 1º Consideram-se insumos, inclusive: [...]
[2] [...] § 2º Não são considerados insumos, entre outros: [...]
[3] Decreto nº 11.034/2022 (Regulamenta a Lei nº 8.078/1990) —Conforme o artigo 1º, o SAC é obrigatório para os fornecedores dos serviços regulados pelo Poder Executivo Federal.

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