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A seletividade dos impostos como instrumento de preservação ambiental

Tributário

13 de maio de 2022

Critério constitucional da seletividade do IPI e do ICMS pode atuar para concretização desse direito fundamental

Dado o contexto em que vivemos, a concretização dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição é um dos maiores desafios no desenvolvimento de uma sociedade. Isso ocorre porque os direitos inerentes à proteção do indivíduo devem ser assegurados por leis e políticas públicas, a fim de se obter condições mínimas de vida e desenvolvimento, suprindo as necessidades da geração atual sem comprometer as gerações futuras.

Para que essa engrenagem funcione, é indispensável oferecer informação, acesso e execução plena. Estamos diante de uma estrutura complexa e interligada na escala dos atos de valoração, que abrange fatores de influência na qualidade de vida da população.

Dentre os direitos fundamentais, destaca-se o que diz respeito ao meio ambiente, estatuído na CF/88, no art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Tal como se mostra diariamente em diferentes âmbitos, o planeta vem sofrendo deteriorações devido à ação humana, que fora planejada de forma irregular diante dos recursos que se dispõem no meio ambiente. Em tempos nos quais a preservação ambiental é necessária para manutenção da vida, muito se tem debatido sobre o desenvolvimento sustentável. As políticas ambientais se mostram essenciais para que a sociedade não apenas atenue os danos causados até o momento, mas também priorize novas condutas na relação do homem com a natureza, beneficiando, assim, um sistema intergeracional positivo e próspero.

Cabe, antes, uma ponderação. O consumo desenfreado tem sido o principal agente no desenvolvimento do atual sistema político-econômico e na degradação ambiental, uma vez que demandam distribuição intensiva de produtos e, por conseguinte, exploração de recursos naturais. Esse movimento intensifica os problemas ambientais, na medida em que, quanto maior é o consumo, mais lixo se produz, poluindo o meio ambiente e trazendo malefícios incalculáveis.

Fato é que os recursos naturais são finitos e cabe aos indivíduos a reflexão sobre o próprio modo de vida. Modificar essa realidade é possível, porém depende de engajamento em prol do crescimento sustentável e da disseminação de suas potencialidades.

Dentre as expectativas para melhores práticas ambientais, destaca-se a Economia Circular, que não deve ser compreendida como um modismo, mas como um dispositivo fundamental na manutenção do consumo consciente e da vida. Trata-se de um modelo de produção e consumo que assegura o uso e a recuperação inteligente dos recursos naturais, reduzindo ao máximo a geração de resíduos. A partir de uma transformação cultural, é possível estabelecer novas condutas de consumo, tencionando a eficiência econômica e a equidade.

Tal prática tem sido tema recorrente nos últimos anos, especialmente no âmbito internacional, uma vez que seu funcionamento compreende princípios de redução, reutilização, recuperação e reciclagem, sendo elemento importante na dissociação entre crescimento econômico e aumento no consumo de recursos. Na prática circular, o futuro é mais importante que o passado, pois não há desenvolvimento sem inovação.

Dessa forma, alinhar o consumo às expectativas de vida de uma sociedade mais justa é também tornar possível que os novos modelos de consumo sejam amparados pela justiça social.

Na reflexão sobre o consumo consciente, é relevante demonstrar o cenário da gestão de resíduos para a população, a fim de que se pondere sobre as formas como eles são tratados, na intenção não somente de eliminá-los por completo do meio ambiente e das práticas sociais, mas também de transformá-los em novos produtos e diminuir o acúmulo de lixo gerado pelos indivíduos, pouco preocupados com o destino desse material.

Feitas tais considerações, é inegável que as diretrizes dos direitos fundamentais são irrefutáveis, cabendo ao Estado a aplicação urgente de novas políticas públicas para garantir a execução desses direitos.

É nesse contexto que os tributos devem ser utilizados como mecanismo de preservação ambiental. Ao contrário do que muitos alegam, os tributos vão muito além da arrecadação, pois podem servir de mecanismos de preservação ambiental, prestigiando as ações que agregam valores mediante aplicação da extrafiscalidade. Nesse sentido, o importante é que o legislador tenha por objetivo a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pautado na razoabilidade e na legalidade, de modo que estimule o comportamento individual ecológico.

Com base nos poucos estímulos fiscais existentes no Brasil para concretização desse direito fundamental, averigua-se que o critério constitucional da seletividade do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pode e deve atuar como instrumento auxiliar para concretização desse direito fundamental. Isso se deve ao fato desses impostos recaírem sobre a cadeia produtiva como um todo, impactando diretamente o bolso do consumidor. Os produtos trazem consigo não apenas o valor agregado da produção, mas também os tributos[1].

De acordo com a Constituição Federal, o IPI será seletivo em função da essencialidade do produto, nos termos do art. 153, §3°, I. Por outro lado, o ICMS poderá ser seletivo, com base no art. 155, §2°, III. Em que pese a inserção do vocábulo “poderá” para dispor sobre a seletividade do ICMS — trazendo na visão de alguns estudiosos a facultatividade para o legislador infraconstitucional (diferente do que ocorre com o IPI, comando obrigatório) —, é clarividente que a CF/88 estabelece deveres aos Estados-membros, que envolvem os direitos fundamentais.

Acresça-se a isso o entendimento de que a finalidade do critério constitucional da seletividade consiste em abrandar a injustiça do imposto, estatuindo o impacto tributário (carga tributária). Em outros termos, a seletividade representa discriminação ou sistema de alíquotas diferenciadas por espécies de produtos.

É nessa situação que as mercadorias essenciais à existência devem ser tributadas com mais cuidado. Esse é o ponto de inserção da circularidade, uma vez que ela tem papel fundamental na qualidade de vida da população. Como consequência lógica, incentivar a produção e o consumo de produtos sustentáveis ocasiona a queda no consumo de produtos prejudiciais ao meio ambiente, é um ciclo funcional possível.

Esse mecanismo de defesa ambiental não é novidade no ordenamento. Cumpre relembrar a redução do IPI nas vendas de eletrodomésticos da chamada “linha branca” — tais como: refrigeradores, freezers, fogões, lavadoras de roupas, secadoras, entre outros — com baixo consumo de energia elétrica, o que poupou recursos ambientais[2].

Outro exemplo é o Decreto n° 755/1993, que estabeleceu, em caráter temporário, diferentes alíquotas do IPI para veículos movidos a gasolina (25% ou 30%) e a álcool (20% ou 25%). No entendimento de Regina Helena Costa, embora a finalidade inicial tenha sido a de incentivar a produção de álcool visando à diminuição da importação do petróleo, essa medida contribuiu para atenuar os níveis de poluição atmosférica nas cidades[3].

Atualmente, vale ainda citar as medidas adotadas pelo governo federal no combate à pandemia da Covid-19. Trata-se da redução total das alíquotas do IPI incidentes sobre produtos médico-hospitalares e laboratoriais utilizados na linha de frente do combate ao coronavírus, no intuito de evitar a escassez de materiais hospitalares.

Em consonância com o que foi exposto, constata-se que tais medidas se basearam na premissa de que a redução temporária das alíquotas do imposto é relevante para o consumo e alavancagem de determinados produtos — mais “ecológicos”. Dessa forma, no momento em que o consumidor for informado sobre as novas possibilidades, ele terá o poder de escolha sobre a melhor forma de colaborar com o meio ambiente, por meio de produtos com preços mais acessíveis.

Ainda nessa linha de raciocínio, cabe lembrar a PEC 31/2007, que, entre outras alterações, almeja incluir, nos termos do art. 153, § 3º da Constituição Federal, que o IPI “será seletivo, em função da essencialidade do produto e da sua sustentabilidade ambiental e de seu processo de produção”.

Frisamos que a nossa intenção em explorar o critério da seletividade é no sentido de demonstrar, de forma didática e elucidativa, que há alternativas tributárias viáveis que podem auxiliar no alcance do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No intuito de intensificar os estímulos em questão, faz-se necessário compreender todos os elos produtivos que compõem a economia circular, trazendo efetividade e mitigando distorções indesejadas, de forma que estimule a circularidade de maneira equilibrada, pois a extrafiscalidade deve ser implementada com propósitos específicos.

Para alcançarmos de fato um ambiente ecologicamente equilibrado, é indispensável motivarmos o consumidor a colaborar, bem como implementar outras medidas além das tributárias. Incentivos fiscais são relevantes na proteção do meio ambiente — mecanismo que impacta na cadeia produtiva e no consumidor final, uma vez que está diretamente relacionado ao lucro. No entanto, importante esclarecer que eles não conseguem por si só resolver os problemas atualmente existentes.

Dessa forma, as políticas públicas devem ser compreendidas como um conjunto de atividades promovidas pelo Estado, em suprimento das necessidades gerais da sociedade. Por fim, compreende-se que a falta de reconhecimento dos direitos fundamentais por parte de nossos governantes tem sido um grande problema na qualidade de vida atual do meio ambiente.

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[1] A seletividade também é fator substancial para que se possa averiguar as limitações do poder de tributar, na medida em que esse critério se presta a desdobrar a real capacidade contributiva do contribuinte de fato.

[2] A medida vigorou inicialmente por três meses no ano 2009, sendo que alguns benefícios foram prorrogados temporariamente.

[3] COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a tributação ambiental no Brasil. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 323.

Leia artigo no JOTA.

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