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PIS/Cofins: imposições legais ambientais geram créditos fiscais

Tax Law

15 de dezembro de 2023

Por Claudia Cristina dos Santos Abrosio e Rafael Pescuma Rodrigues da Silva

O meio ambiente é uma pauta de extrema importância e urgência localizado no centro das discussões globais. Os impactos oriundos das diversas atividades humanas, a degradação do meio ambiente, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam um desafio que afeta tanto as gerações presentes quanto as futuras.

Nos tempos em que o desenvolvimento sustentável se tornou estratégia para a manutenção dos recursos naturais, a responsabilidade social e ambiental está ganhando destaque e contornos próprios no atual modelo de governança das empresas. Um dos caminhos é o uso do índice ESG (sigla em inglês para “environmental, social and governance”), que avalia os procedimentos que fundamentam as companhias em torno da sustentabilidade, gerando até mesmo maior credibilidade e solidez.

O direito ambiental, para a sua defesa, além de ter trazido contribuições únicas para o ordenamento jurídico, está presente para disciplinar as atividades humanas efetiva ou potencialmente poluidoras. Defender o ambiente é um dever de todos!

Pela sua importância para o futuro do planeta, cada vez mais essa ciência jurídica navega no âmbito das outras disciplinas do Direito, conversando e se complementando.

Nesse contexto, o presente artigo busca apresentar reflexões no sentido da importância dessas despesas — preservação e conservação ambiental — no desenvolvimento da atividade econômica das pessoas jurídicas, bem como a possibilidade de apropriação de créditos da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), relacionados com gastos originados de imposições legais ambientais.

Levando em consideração o volume de litígios, é notório que desenvolver um conceito de “insumo” (artigo 3º, II, da Lei nº 10.637/02 e nº 10.833/03) que seja unânime à pretensão dos contribuintes e do Fisco Federal é uma tarefa impensável. Em um cenário de negócios em constante transformação, que compreende características e modelos peculiares e que cada qual tem um pensamento do que é necessário para a consecução das suas atividades, faz-se necessário discutir acerca desse vocábulo.

Como sabido, diante dos conflitos vivenciados nos últimos anos, em 2018, em sede de recurso repetitivo, a 1ª Seção do STJ determinou que, para fins de aproveitamento dos créditos fiscais, as pessoas jurídicas devem considerar como insumo todos os dispêndios necessários e essenciais para o “exercício estatutário da atividade econômica” (REsp 1.221.170/PR).

Nesta oportunidade, o STJ estabeleceu que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”.  É importante frisar que a posição do STJ indica um conceito relacional — análise casuística para cada processo —, o que pode gerar contradições quanto à caracterização do insumo face os diferentes setores da economia, que apresentam diversas atividades e dinâmicas próprias.

Deveras, a decisão foi prolatada, no sentido de que “insumos” são aqueles bens ou serviços que comprometem a consecução da atividade-fim da pessoa jurídica, estejam eles empregados direta ou indiretamente em tal processo. Esse conceito também deriva do denominado “teste da subtração”, daí ser imprescindível afastar a resistência do Fisco federal em relação ao aproveitamento de créditos.

Convém, aqui, abrir um rápido parênteses. Para o enquadramento dos dispêndios (aquisição de bens e serviços) como insumos, não há que se falar em restrições no sentido de que esses só poderiam ser empregados diretamente no processo produtivo. Ou seja, antes, é necessário avaliar o conjunto das atividades econômicas desenvolvidas por cada contribuinte, compreendendo nesse circuito dispêndios alocados nas etapas pré e pós-produção.

Pois bem, internalizando as diretrizes fixadas pelo STJ, no tocante ao critério da relevância, a atual regulamentação da Receita Federal — IN nº 2.121/22 — dispõe que são considerados insumos os bens ou os serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades da pessoa jurídica.

Nesse contexto, retornando para o tema em questão, provavelmente, a mais intuitiva possibilidade de creditamento está no gasto com tratamento de efluentes exigido pela legislação, um processo fundamental para que as indústrias possam auxiliar na preservação do meio ambiente e cumprir com as leis ambientais, o que, inclusive, foi citado como referência no REsp 1.221.170/PR e Parecer Normativo COSIT nº 5/18.

Desse modo, percebemos que, diante de uma atuação efetiva dos órgãos reguladores nos últimos anos, resta claro que há diferentes tipos de imposições legais ambientais que podem gerar direito ao crédito do PIS e da Cofins. É até intuitiva essa afirmação.

No contexto do desenvolvimento econômico sustentável, em 2010, o poder público deu um importante passo na defesa do meio ambiente, promulgando a Lei nº 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Essa lei representou um marco inovador na implementação da gestão comum do meio ambiente e está sendo constantemente regulamentada com o objetivo de acompanhar a evolução do mercado.

Essa delimitação de obrigações fica clara nos artigos 26 e 27 da PNRS, que, entre outras disposições, estabelece que as pessoas físicas e jurídicas são responsáveis pela implementação e operacionalização integral do plano de gerenciamento de resíduos sólidos emitido pelo órgão competente, que compreende a contratação de serviços de coleta, armazenamento, transporte, transbordo, tratamento ou destinação final de resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos.

Fazendo uma conexão com os dias atuais, menciona-se que essa lei já definiu em 2010 que logística reversa é um “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos […]”. Noutros termos, compreende-se todos os procedimentos de pós-venda ou pós-consumo, assegurando o reaproveitamento ou o descarte adequado.

Fato é que o cumprimento dessas obrigações pode ser complexo e oneroso para os contratantes. Entre os principais custos referentes à implantação da logística reversa para as empresas, estão a aquisição de equipamentos e instalações, como veículos e coletores, treinamento e especialização de funcionários, campanhas de conscientização para o aumento da eficiência e coleta no tratamento de resíduos em si, implementação de alternativas mais sustentáveis e estratégicas, entre outros, podendo variar a depender da complexidade e da infraestrutura da companhia.

No intuito de garantir o cumprimento dessas obrigações ou ao menos alcançar melhores resultados, nos termos do artigo 51 dessa lei foram estabelecidas penalidades: “sem prejuízo da obrigação de, independentemente da existência de culpa, reparar os danos causados, a ação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importe inobservância aos preceitos desta lei ou de seu regulamento sujeita os infratores às sanções previstas em lei, em especial às fixadas na Lei nº 9.605/1998”.

Entre outros ramos, percebemos que no cenário regulatório dos sistemas de logística reversa de embalagens, o setor de bebidas e alimentos (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes) possui um importante caráter socioambiental. Isso ocorre, porque, com a enorme quantidade de vasilhames e demais embalagens utilizadas nos seus produtos, o volume de bens/serviços contratados para a coleta e restituição dos resíduos sólidos para o seu devido reaproveitamento, completando o ciclo de vida sustentável dos produtos, representa projetos estruturantes e relevantes financeiramente.

É possível perceber como o Estado e os diferentes setores possuem as suas responsabilidades como fator determinante na defesa e preservação do meio ambiente.

Por exemplo, dentre toda a emissão de carbono produzida pela humanidade, de 2% a 8% desse volume é gerado apenas pela poluição proveniente de roupas e calçados. Dentre as diferentes ações, os especialistas projetam uma transição gradativa do setor para o modelo do slow fashion.

No âmbito da indústria têxtil, as obrigações legais ambientais são supervisionadas pelo Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) na esfera estadual, composto por secretarias e institutos, e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) no âmbito federal.

Por outro ângulo, o Código Florestal (Lei nº 12.651/12), no seu artigo 34, estabelece que as empresas industriais que utilizam grande quantidade de matéria-prima florestal são obrigadas a elaborar e implementar um Plano de Suprimento Sustentável (PSS), a ser submetido à aprovação do órgão competente do Sisnama.

Recentemente, foi divulgado, de forma integrada, as ações do Banco Central relacionadas à gestão de riscos e oportunidades sociais, ambientais e climáticas, compreendendo os impactos no Sistema financeiro nacional e a economia brasileira[1].

Desse modo, percebemos que, atualmente, as questões ambientais e as ações para a sua preservação não conhecem fronteiras e são preocupações globais, impulsionadas por uma compreensão mais profunda dos impactos humanos sobre o planeta e pelas consequências de suas ações.

Sem a pretensão de exaurir todos os movimentos e particularidades que envolvem o tema, entendemos que os gastos em que as pessoas jurídicas incorrem com a proteção ambiental, mediante imposição legal, incorporam-se, verdadeiramente, no critério da “relevância” estabelecido pelo STJ.

No mais, esses dispêndios estão vinculados com a própria atividade econômica desenvolvida pelos contribuintes. Aqui não nos limitamos em trazer essa reflexão apenas para os dispêndios com logística reserva, mas todas as ações que impactam o meio ambiente.

Frisamos que as obrigações que compõem a responsabilidade das pessoas jurídicas são individuais em relação a cada ciclo, setor econômico e órgão regulamentador. Assim, é imprescindível realizar uma análise casuística dos dispêndios, sua obrigatoriedade e utilização na atividade.

No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a 3ª Câmara / 1ª Turma Ordinária estabeleceu que aquisições atribuídas por órgãos reguladores na atividade de mineração, referentes às aquisições de serviços de terraplanagem e destinação final de resíduos sólidos, monitoramento de ar e outros serviços necessários para a recuperação do meio ambiente, geram direito a crédito. O entendimento é fundamentado na ideia de que, “quando o cumprimento das obrigações ambientais impostas pelo Poder Público, como condição para o funcionamento da empresa, gere despesas, estas devem ser consideradas insumo” (Acórdão n° 3301-005.605 e 3301-005.606, ambos de sessão de 29/01/19).

O voto vencedor explica que as despesas com a proteção ao meio ambiente são geradas em função de uma imposição legal, sendo inexigível conduta diversa por parte do contribuinte. Sem o cumprimento ao controle ambiental, a empresa não estaria autorizada a extrair o carvão mineral e, por isso, estaria impossibilitada de realizar seu processo produtivo.

Dentre os dispêndios reconhecidos como passíveis de crédito, estão: terraplanagem para a recuperação ambiental; serviços com o objetivo de obtenção da licença ambiental prévia; serviços de estudos hidrológicos, locação de máquinas e equipamentos para aterro, com o intuito de recuperação ambiental; anteprojeto de recuperação de área ambiental e drenagem, serviços de coleta de resíduos sólidos, dentre outros.

Em síntese, diversas são as possibilidades de apropriação de crédito de PIS e Cofins relacionadas com imposições legais ambientais. Ocorre que, pelo fato de cada setor industrial apresentar distintas características e singularidades em seu processo de produção, algumas dessas oportunidades acabam por frequentemente escapar à atenção das empresas, até mesmo pela evolução do conceito de insumo.

É perceptível que as empresas estão caminhando cada vez mais para um propósito sustentável. Com a necessidade latente do nosso planeta, que enfrenta a realidade de aumento populacional e de consumo de recursos, principalmente os não renováveis, mostra-se fundamental a coexistência do direito ambiental nos demais setores do Direito. Dia após dia, novas imposições legais ambientais são necessárias e, junto dessas, surgem novas oportunidades.

Acresça-se o entendimento de que, não há dúvidas de que os bens e serviços ambientais aplicados na consecução das atividades econômicas, se retirados, impossibilitariam até mesmo o desenvolvimento da atividade econômica da pessoa jurídica, até mesmo pelas possíveis penalidades que seriam impostas, que abrange, inclusive, a paralisação total das atividades da empresa.

Não existe, ainda, uma resposta objetiva para todas as situações, porém, de acordo com as diretrizes fixadas pelo STJ, em 2018, bem como as orientações vigentes do Fisco no aspecto de apropriação de crédito de PIS e Cofins, por imposições legais, tornou-se possível o levantamento de inúmeros pontos para novas discussões.

O tema, como se vê, comporta espaço para debates aprofundados. O conceito de insumo pode variar de acordo com as atividades econômicas desenvolvidas por cada cada contribuinte, mostrando-se indispensável a avaliação do exame casuístico (dispêndio ambiental) para a sua determinação.

[1] Fonte: https://www.bcb.gov.br/publicacoes/relatorio-risco-oportunidade. Divulgado em 30.10.23.

Publicado no ConJur.

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