Reconhecimentos

Imprensa

Executado não pode ser onerado em razão do sobrestamento da execução fiscal

Tributário

15 de maio de 2023

Há anos contribuintes e procuradorias travam quedas de braço sobre a necessidade e a forma de garantia da execução fiscal para oposição de embargos, especialmente frente ao conhecido princípio da menor onerosidade ao executado.

Previsto no artigo 805 do Código de Processo Civil (CPC), tal princípio estabelece que, havendo mais de uma forma de o exequente realizar a cobrança judicial de seu crédito, “o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”.

Em paralelo a tal dispositivo, o artigo 914 do CPC permite que o executado oponha embargos à execução promovida pelo credor sem a necessidade de garantia do juízo, prestigiando, assim, não só a regra disposta no artigo 805 do CPC, como também o princípio do acesso à justiça.

Mesmo assim, a realidade vivenciada por contribuintes cujos débitos foram inscritos em dívida ativa é bastante diversa daquilo que o legislador disciplinou no CPC, uma vez que, como se sabe, o rito das execuções fiscais segue a Lei 6.830/80, a qual privilegia a fazenda pública na persecução de seus créditos.

Por isso, quando o assunto é execução fiscal, o princípio da menor onerosidade ao executado fica totalmente relegado a segundo plano, vez que as regras disciplinadas na Lei 6.830/80, via de regra, se sobrepõem àquelas previstas no CPC, em razão da especialidade daquela legislação sobre esta[1].

Com isso, enquanto os executados “civilmente” estão protegidos pelo princípio da menor onerosidade, sendo-lhes garantida, por exemplo, a oposição de embargos sem a necessidade de penhora de bens, ou, então, com a possibilidade de apresentação de garantia que lhe for menos custosa, ao devedor da dívida ativa somente é autorizada a defesa mediante apresentação de garantia integral, podendo, ainda, a fazenda pública optar por aquela mais líquida, mesmo que mais onerosa ao contribuinte.

Talvez uma das poucas medidas que ainda restam ao contribuinte para diminuir o seu custo com defesas no âmbito de execuções fiscais seja a possibilidade de apresentar apólice de seguro e carta de fiança bancária como garantia ao débito, o que deve ser feito no exíguo prazo de cinco dias previsto no artigo 8º da Lei n. 6.830/80, sob pena de autorizar que a fazenda pública adote medidas para exigir o depósito integral em dinheiro da dívida.

E, como se sabe, depositado o valor em dinheiro pelo contribuinte, nem uma crise mundial econômica causada por uma pandemia é suficiente para convencer o fisco de renunciar aos depósitos em troca por seguros ou fianças.

A despeito de toda onerosidade das execuções fiscais já imposta ao contribuinte, o que teoricamente se justifica em razão de uma opção do legislador de privilegiar a fazenda pública na cobrança de seus créditos, fato é que a cada vez mais comum afetação de matérias tributárias à sistemática de julgamentos repetitivos vem trazendo ainda mais prejuízos aos contribuintes.

É que, conforme autorizado pelo artigo 1.037, II, do CPC, após a afetação de determinada matéria à sistemática de julgamentos repetitivos pelos tribunais superiores, poderá o relator ordenar “a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional”.

Ocorre que, após a afetação do recurso, o sobrestamento dos casos que versem sobre a mesma matéria poderá perdurar por anos, já que, dada a relevância dos respectivos temas perante os tribunais superiores, é mais do que esperado que o julgamento não ocorra em poucos meses.

Veja-se, por exemplo, o julgamento do Tema 179 das repercussões gerais[2]. O relator determinou a suspensão nacional dos processos que versassem sobre a matéria em 25 de outubro de 2016, sendo o mérito do respectivo recurso extraordinário resolvido pelo plenário do STF apenas em 29 de junho de 2020, ou seja, quase quatro anos após a ordem de sobrestamento.

Imaginem, agora, que um contribuinte foi executado em 2015 e, em seus embargos, arguiu como defesa a matéria que esteve em discussão no Tema 179 das repercussões gerais. Por óbvio, para opor seus embargos, o contribuinte teve que apresentar garantia ao débito e, por um fator que foge totalmente ao seu controle, teve que manter tal garantia ativa por mais de quatro anos, sem que seu caso fosse minimamente movimentado pelo Poder Judiciário.

Ou seja, o contribuinte foi claramente penalizado, mesmo não possuindo qualquer culpa na demora do julgamento do seu caso, cuja matéria foi afetada à sistemática das repercussões gerais com a utilização do mecanismo previsto no artigo 1.037, II, do CPC (ou artigo 1.035, § 5º, também do CPC).

Ora, nesse caso, por evidente que não se pode onerar ainda mais o contribuinte alvo da execução fiscal, uma vez que o tempo de sobrestamento dos seus embargos é totalmente imprevisível.

Por mais que o princípio da menor onerosidade ao executado não pareça guardar muito prestígio entre os magistrados que julgam causas de natureza tributária, foge totalmente à razoabilidade (primado guardado pela Constituição, ainda que de forma implícita) obrigar o contribuinte a arcar com o custo de manutenção dos embargos à execução fiscal que foram sobrestados por decisão do Poder Judiciário.

Ora, o Estado já obriga o contribuinte a garantir integralmente o débito da forma mais líquida possível, em clara exceção ao princípio da menor onerosidade, de modo que se mostra totalmente irrazoável que esse mesmo Estado exija, por decisão de um dos seus próprios Poderes (isto é, aquela que determina a suspensão nacional), que o contribuinte arque com o valor da garantia enquanto o seu processo permanece sobrestado.

Por isso, entendemos que a determinação da suspensão da tramitação de processos por força dos artigos 1.035, § 5º, e 1.037, II, do CPC deve, em atenção aos princípios da razoabilidade e da menor onerosidade ao executado, autorizar que os contribuintes (a) suspendam a vigência de suas garantias enquanto sobrestado o seu processo; e (b) caso o débito tenha sido garantido por meio de depósito, realizem a substituição da garantia por seguro ou carta de fiança, com vigência igualmente suspensa no período.

Do contrário, os contribuintes continuarão a ser onerados em razão de demora atribuível exclusivamente ao Poder Judiciário, o que foge a qualquer senso comum de justiça.

Lembre-se, por oportuno, que o STJ, preocupado em não penalizar as partes em razão de demora atribuível unicamente ao Judiciário, editou o verbete sumular n. 106, nos seguintes termos: “Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.”.

Portanto, se a Fazenda não pode ser penalizada com a prescrição de seus débitos por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, igualmente não deveria o contribuinte ser onerado por demora atribuível ao Judiciário.

[1] Esse é o posicionamento histórico do STJ sobre a matéria, conforme voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin no julgamento do Recurso Especial n. 1.409.668/SP: “Assim, por força da aplicação subsidiária do CPC e por exigência da interpretação sistemática e histórica das leis, tendo sempre em mente que a Lei 6.830/1980 foi editada com o propósito de tornar o processo judicial de recuperação dos créditos públicos mais célere e eficiente que a execução comum do Código de Processo Civil, tudo aponta para a razoabilidade da exigência de que a garantia inclua os honorários advocatícios, estejam eles lançados ou não na CDA“

[2] Oportunidade em que o STF definiu a seguinte tese: “Em relação às contribuições ao PIS/COFINS, não viola o princípio da não-cumulatividade a impossibilidade de creditamento de despesas ocorridas no sistema cumulativo, pois os créditos são presumidos e o direito ao desconto somente surge com as despesas incorridas em momento posterior ao início da vigência do regime não-cumulativo”.

Publicado no JOTA.

O Direito levado ao mais alto nível, para oferecer soluções seguras e eficientes a empresas e empresários.