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ESG no direito tributário: benefícios fiscais na geração de energia solar

Tributário

19 de outubro de 2022

Tendo em vista o avanço acelerado da crise climática, muito se tem debatido globalmente a respeito da necessidade de ações mais efetivas para a preservação ambiental, no anseio de assegurar a qualidade de vida da geração atual e vindouras.

Em tempos nos quais o desenvolvimento sustentável se tornou estratégia para a manutenção dos recursos naturais, a responsabilidade social e ambiental está ganhando destaque no atual modelo de governança das empresas. Um dos caminhos é o uso do índice ESG (sigla em inglês para “environmental, social and governance”), que avalia os procedimentos que fundamentam as empresas em torno da sustentabilidade, na oferta de maior credibilidade e solidez.

Percebemos que cada vez mais a sustentabilidade e a competitividade estão andando de mãos dadas e essa é uma tendência que permanecerá[1]. Daí a afirmação de que o ESG, além de retribuir o bem à sociedade, é um meio efetivo de manter a rentabilidade e propósito para os seus investidores.

No âmbito nacional, entre outros pleitos, o Banco Central do Brasil[2] determinou que as instituições financeiras devem estabelecer Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) e implementar ações com vistas à sua efetividade.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passará a exigir, a partir de 2023, que as sociedades anônimas divulguem aos seus acionistas informações sobre a prática de ações ligadas aos pilares de ESG, como inventário de emissões de gases de efeito estufa e riscos sociais, ambientais e climáticos do negócio[3].

É nesse cenário que, entre outras ações, a geração de energia elétrica de fonte solar para uso próprio (autoprodução e geração distribuída) ou para comercialização para terceiros pode ser uma ferramenta poderosa para impulsionamento do ESG. A energia solar (também conhecida como energia verde)[4] é uma fonte não poluente e com baixos impactos ambientais negativos, podendo ser utilizada em diversos ambientes, já que os sistemas de captação podem ser instalados em diferentes superfícies, além de ter o potencial de auxiliar o aspecto social com a criação de empregos e o desenvolvimento do comércio local[5].

Convém aqui abrir um rápido parêntese. Na COP 26[6], realizada entre 1 e 12 de novembro de 2021, na Escócia, foi firmado um acordo que propõe acelerar a transição energética para fontes de energia limpas. Nessa oportunidade, foi sugerido que os países aumentem os esforços para reduzir o uso de combustíveis fósseis e o carvão, principais causadores das mudanças climáticas.

Pois bem. Em meio às discussões a respeito da possibilidade e viabilidade da implementação de uma reforma tributária no Brasil, ganha destaque a utilização da função extrafiscal do Direito Tributário para a consolidação de práticas que promovam efetivamente o desenvolvimento econômico-social sustentável, induzindo empresas para escolhas mais sustentáveis, aliando interesses econômicos e ambientais.

Nesse viés, diante da notória crise ambiental em que vivemos, a extrafiscalidade deve acompanhar as necessidades e as exigências do meio em que estamos inseridos, na busca por instrumentos que contribuam com a evolução de práticas sustentáveis na linha do tempo, incorporando, de forma efetiva, condições e opções ecológicas.

Fato é que o Poder Público possui o dever de implementar políticas públicas que protejam o meio ambiente, podendo se valer da extrafiscalidade para conceder tratamento tributário diferenciado[7] na geração de energia solar, desde que as medidas sejam acompanhadas de estudos de impacto no orçamento público versus o benefício social e ambiental a ser obtido, levando em consideração a legalidade e a razoabilidade das condutas.

Não bastasse o conhecimento de um setor altamente regulado, aqueles que pretendem atuar no setor elétrico precisam estar cientes dos desafios tributários existentes. Uma análise realizada pela PricewaterhouseCoopers (PwC) já confirmou que empresas investiriam mais em sustentabilidade se contassem com mais benefícios fiscais[8].

Atualmente, há benefícios fiscais nas esferas federal, estadual e municipal tanto na aquisição de ativos para construção de usinas fotovoltaicas como para a própria geração de energia solar, em especial no âmbito dos tributos incidentes sobre o consumo, mas há ainda grandes dificuldades na fruição desses incentivos.

Na esfera federal, o REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura) autoriza a aquisição de bens para ativo imobilizado e contratação de serviços para projetos de geração, transmissão e distribuição de energia com suspensão e posterior conversão em alíquota zero do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Os empreiteiros responsáveis pela construção do empreendimento habilitado também podem se coabilitar ao Programa, no entanto, segundo interpretação restritiva da Receita Federal, os benefícios só podem ser utilizados se os materiais forem incorporados nas obras mediante o lavor deste mesmo empreiteiro coabilitado e não por outro empreiteiro que faça parte de um mesmo consórcio de construtores, por exemplo (SC Interna Cosit nº 6/2018).

Nesse contexto, o Marco Legal de Geração Distribuída (Lei 14.300/2022) permitiu que projetos de minigeração de energia distribuída fossem elegíveis ao REIDI, afastando o antigo entendimento restritivo de que esses não seriam projetos de infraestrutura aptos a usufruir os benefícios. O feito é relevante para o setor elétrico, mas ainda há duas dificuldades: (i) microgeração distribuída continua fora do REIDI; e (ii) falta de regulamentação do Ministério de Minas e Energia sobre os procedimentos para apresentação de requerimento de enquadramento dos projetos de minigeração no REIDI, o que gera incertezas sobre a implementação prática da mudança legislativa.

Na esfera estadual, há isenção e redução de base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre a aquisição de equipamentos que podem ser utilizados na geração de energia (Convênios nº 101/1997, nº 114/2017 e nº 52/1991) e no fornecimento de energia para determinadas finalidades (Convênios nº 107/1995, nº 37/2010 e nº 76/1991). Ainda, o Convênio nº 16/2015 concede isenção de ICMS nas operações internas de mini e microgeração distribuída de energia até 1 Megawatt (MW), injetada na rede de distribuição pela mesma unidade consumidora, excluindo do benefício projetos com potência maior e geração compartilhada de energia realizadas por consórcio, condomínio, associações e cooperativas.

Ocorre que a geração distribuída é uma modalidade de geração de energia para consumo próprio, situação em que o excedente gerado é injetado na rede da distribuição local a título de empréstimo gratuito, para posterior devolução como créditos na conta de energia. Essa natureza deveria ser suficiente para afastar o ICMS sobre essa operação, já que esse tributo requer a transferência de titularidade, o que não ocorre na geração distribuída, uma vez que a energia é utilizada em benefício do próprio gerador. Inobstante, os estados continuam a cobrar ICMS nas situações não abrangidas pelo Convênio nº 16/2015, com exceção de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo[9] (em decorrência de uma permissão concedida no âmbito da “guerra fiscal”).

Por fim, na esfera municipal, os interessados em construir usinas devem se atentar com a incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre os serviços de construção civil, cuja base de cálculo já exclui os materiais utilizados nas obras. As legislações municipais podem ter diferentes previsões sobre a exclusão dos serviços de construção civil subcontratados da base de cálculo do imposto, o que impacta o custo total da obra, já que o ISS é cumulativo, de modo que a sua incidência em determinada prestação não gera crédito para utilização em momentos posteriores.

Feitas essas breves considerações, percebe-se que o Direito Tributário, com a sua função extrafiscal, pode direcionar condutas ambientalmente responsáveis, especialmente diante da concessão de benefícios fiscais que diminuem os custos relacionados com a geração de energia solar.

Ter os pilares ESG impulsionados é essencial para a construção da responsabilidade social das empresas, o que é uma demanda dos consumidores atuais. Para tanto, as empresas devem estar atentas aos desafios tributários existentes no setor elétrico, o que requer planejamento prévio e possíveis negociações com as autoridades fiscais.

Não pretendemos aqui esgotar tema tão complexo, e sim trazer reflexões da importância da energia solar para redução dos impactos na natureza, além de todos os seus benefícios econômicos para os mais diversos setores.

O Brasil tem enorme potencial para aumentar a matriz energética de fonte solar e diminuir a emissão de gases prejudiciais ao meio ambiente[10], mas ainda há um longo caminho pela frente, sobretudo diante dos poucos estímulos fiscais existentes. A extrafiscalidade, através da concessão de benefícios fiscais estratégicos no setor de energia renovável, pode catalisar o fortalecimento, maturidade econômica e a estabilidade do mercado sustentável no Brasil.

Leia artigo no JOTA.


[1]  É o que confirmam pesquisas feitas pela PwC (“Asset and wealth management revolution: The power to shape the future”), Nielsen (“Estilos de Vida 2019”), Accenture Strategy (“From Me to We: The Rise of the Purpose-led Brand”), ANBIMA (“Guia ASG: Incorporação dos aspectos ASG nas análises de investimento”), entre outras.

[2] Resoluções CMN nº 4.943, nº 4.945 e a Resolução BCB nº 151, de 2021. Desde Set/20, o BACEN é uma instituição apoiadora da Task Force on Climate related Financial Disclosures (TCFD), cuja criação atendeu à solicitação do G20 para que fossem considerados os riscos à estabilidade financeira associados às mudanças climáticas no escopo do Financial Stability Board (FSB).

[3] Resolução CVM nº 59/2021.

[4] A matéria prima da energia solar é a luz do sol, uma fonte inesgotável, já que se renova e pode ser usada de forma constante. Segundo a Empresa de Pesquisa Energética, “as fontes renováveis de energia são consideradas limpas, pois emitem menos gases de efeito estufa (GEE) que as fontes fósseis e, por isso, estão conseguindo uma boa inserção no mercado brasileiro e mundial”. Disponível em https://www.epe.gov.br/pt/abcdenergia/fontes-de-energia#). Acesso em 20 set. 2022.

[5] “Entre os trabalhadores do setor de energia em todo o mundo, 56% deles já fazem parte do segmento de fontes limpas, conforme levantamento da Agência Internacional de Energia (AIE). São quase 40 milhões de empregos em diferentes modelos, sejam na instalação de painéis solares ou torres eólicas, como também na fabricação de veículos elétricos e biocombustíveis.” Fonte: Instituto Brasileiro de Sustentabilidade (INBS), Agência Internacional de Energia (AIE) e SBT News.

[6] Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

[7] E.g. subsídios, isenções, reduções de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia, remissão, incentivos fiscais e outros fiscais.

[8] PwC. Tax ESG, 2022. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/estudos/servicos/assessoria-tributaria-societaria/2022/TAX-ESG.pdf. Acesso em 15 set. 2022.

[9] Respectivamente, Item 222, Anexo I, Decreto Estadual/MG nº 43.080/ 2002, Lei Estadual/ES nº 11.253/2021 e Decreto Estadual nº 4.896-R/2021 e Lei Estadual/RJ nº 8.922/2020.

[10] “O Brasil ocupa a 9ª posição no ranking de países que mais instalam energia solar no mundo, segundo levantamento realizado em 2020 pela Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar) em parceria à Agência Internacional de Energia (IEA), e está entre os 10 países que mais geraram empregos em energia fotovoltaica”. Disponível em: https://albaenergia.com.br/cop26-o-que-foi-dito-sobre-energia-solar-na-conferencia-de-mudancas-climaticas-da-onu/. Acesso em 19 set. 2022.

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