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Reforma Tributária e o PLP nº 29/2024: A seletividade como instrumento de preservação ambiental

Claudia Cristina dos S. Abrosio, Vitória Machado de Madureira / Tributário

03 de maio de 2024

Por Claudia Abrosio e Vitória Machado de Madureira

Observando os atuais padrões de consumo e os avanços tecnológicos, a cada ano, a capacidade de regeneração dos recursos naturais pela Terra diminui e o "dia da sobrecarga" se aproxima. Nessa velocidade, para atender às demandas de consumo da humanidade, estima-se ser necessário cerca de 1,7 planetas1.

Esse cenário merece atenção especial do Poder Público e da sociedade, no intuito de promover ações que acompanhem as necessidades do mercado globalizado e as suas inovações, em conjunto com mecanismos que contribuam verdadeiramente com a evolução de práticas sustentáveis.

Nesse contexto, a preocupação com a exploração dos recursos naturais teve seu marco, ainda que tímido, na Constituição Federal (CF) de 1934, a qual trouxe disposições sobre a proteção às belezas naturais e a competência concorrente à União e aos Estados para assegurá-las.

Com a CF de 1988 (art. 225), assegurou-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um bem de uso comum da sociedade, e se implementou, em contrapartida, o dever de preservação não somente pela sociedade, mas também pelo Poder Público, que pode exercê-lo por meio da interdisciplinaridade entre as políticas públicas e fiscais.

No âmbito do Direito Tributário, a instituição e a arrecadação de tributos têm por função principal angariar fundos para a concretização das atividades pela Administração Pública.

No entanto, por meio do mecanismo extrafiscal, é possível que determinados tributos tenham finalidade diversa da arrecadatória, com o principal objetivo de induzir ou inibir ações prestigiadas na Lei Maior, compreendendo, por exemplo, o meio ambiente.

Na prática, a extrafiscalidade pode ser inserida de diversas formas: instituição e graduação de tributos, técnicas de progressividade e diferenciação de alíquotas, concessão de isenções e outros incentivos fiscais.

Nesse contexto, a seletividade é regra constitucional e representa um critério de tributação que age por meio da discriminação ou de um sistema de alíquotas diferenciadas, de acordo com a espécie do produto e o seu impacto.

A tributação extrafiscal ambiental não é novidade no Brasil. Por exemplo, de acordo com o art. 153, §3°, da CF, o IPI será seletivo em função da essencialidade do produto. O ICMS, por outro lado, a partir das mercadorias e dos serviços, com base no art. 155, §2°, III.

Nos debates da reforma tributária, a EC nº 132, de 20.12.23, trouxe uma interessante reflexão nesse sentido ao instituir a progressividade de alíquotas do IPVA, conforme art. 155, §6º, II, mediante a instituição de alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental, fator este que tem trazido o desenvolvimento de programas automotivos interessantes, como o caso do Programa MOVER, que prevê alguns benefícios de IPI e Imposto de Importação.

Outra novidade curiosa é a instituição do Imposto Seletivo (IS). Previsto no art. 153, VIII, o "imposto sobre o pecado" estende a incidência da seletividade para a produção e a comercialização dos bens ou serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente como um todo, com a finalidade de desestimular o consumo.

Nessa toada, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 29, apresentado no dia 19.03.24 e ainda pendente de análise das Comissões na Câmara dos Deputados, objetiva a regulamentação do IS no tocante ao seu caráter extrafiscal, além de regulamentar os procedimentos gerais para sua instituição.

Referido projeto assegura, dentre outros pontos, nos termos do seu art. 4º, que as alíquotas serão instituídas a cada um dos produtos e serviços ou seus respectivos grupos, a serem definidos em Lei Ordinária específica, de acordo com sua essencialidade e o grau de nocividade à saúde e ao meio ambiente. A aplicação, como já era o esperado, será faseada e gradual durante o período de 2027 e 2033, sendo assegurada a não incidência do IS em sua própria base de cálculo e a sua não-cumulatividade.

A aplicabilidade e a incidência desse imposto, no entanto, ainda são incertas e dependem da edição de Lei Complementar (art. 3º do PLP), a qual deverá prever meios de incentivos, mediante concessão de isenções, de compensação ou de redução de tributos, para os contribuintes que promoverem ações e programas voltados ao consumo sustentável, e para investimentos voltados à promoção de uma cadeia de produtos e de serviços mais sustentáveis.

Frise-se, nesse ponto, que a definição dos produtos e dos bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente deve seguir critérios objetivos e claros, seja para estimular o consumo e a produção sustentável, seja para evitar a usurpação da função extrafiscal do IS em prol do interesse arrecadatório, que deixaria a sua finalidade vazia e sem qualquer correlação com a preocupação socioambiental.

Ao final, percebe-se que a tributação voltada à preservação ambiental, com a fixação de normas seletivas e estímulos fiscais, ganhou força com a reforma tributária, que chancelou uma preocupação internacional com relação à produção e ao consumo ecologicamente equilibrado, afirmando que, quanto maior a eficiência ambiental, menor deve ser a carga tributária. A política fiscal, no entanto, ainda deve percorrer um longo caminho, em conjunto com outras políticas públicas e sociais para que a ideia do "sustentável" saia efetivamente do papel.

Publicado na Análise Editorial.

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