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O instituto da transação, a evolução e as transformações do Sistema Tributário

Claudia Cristina dos S. Abrosio / Tributário

14 de março de 2024

Por Claudia Abrosio, Giancarla Marcon

Diversos têm sido os debates a respeito de uma Reforma Tributária no Brasil com vistas a promover uma maior simplificação do sistema, que compreende não apenas a carga tributária, mas também regras complexas e propícias à geração de contenciosos. Neste artigo, a ideia é apresentar reflexões das demais medidas aclamadas pelos contribuintes, que não necessariamente envolvem a carga tributária, mas ações que contribuem para o atingimento da segurança jurídica, cooperação recíproca, diálogo e ganhos mútuos, harmonizando os princípios vinculados à Justiça. De um lado, os contribuintes vêm ganhando algumas batalhas. No entanto, não se pode ignorar que, de outro lado, podem ser devedores perante o Fisco.

É nesse campo que está a transação tributária, visto que é uma forma de resolução de litígio que ocorre pela aproximação entre o Fisco e o contribuinte, com o objetivo de firmar um acordo de vontades, por concessões mútuas referentes ao interesse envolvido. Essa é uma alternativa pragmática para solução de litígios, visando à extinção do crédito tributário e à regularidade fiscal do contribuinte. Nessas transações tributárias, o Fisco poderá perdoar, total ou parcialmente, as penalidades aplicáveis ou parte da dívida tributária, o que facilita o pagamento pelo contribuinte dos tributos envolvidos, ao mesmo tempo em que gera receita aos cofres públicos.

São inúmeras as vantagens da transação tributária: põe fim a uma demanda segundo a vontade das partes, gera celeridade e segurança na resolução do litígio, aumenta a eficiência da administração pública em favor do interesse público, entre outras.

O CTN (Lei no 5.172/1966) dispôs sobre a transação tributária no seu art. 156, inciso III e art.171, como norma geral de Direito Tributário. Alguns juristas defendem que o instituto está restrito ao âmbito judicial, no entanto, há controvérsias. O ideal é que seja aplicado na seara administrativa até mesmo como instrumento de prevenção de litígios.

Algumas leis trouxeram o instituto da transação tributária de forma embrionária, como a Lei Federal no 854/1949 e a Lei no 1.341/1951, mas o tema vem recebendo relevância nos últimos anos. Em tempos de pandemia, a União Federal, por exemplo, converteu a “MP do Contribuinte Legal” (MP no 899/2019) na Lei Federal no 13.988/2020 e, posteriormente, editou a Lei no 14.375/2022, que, entre outros, estabelece os requisitos e as condições para aperfeiçoar os mecanismos de transação de dívidas da Fazenda Pública.

A citada Lei Federal no 13.988/2020 dispôs sobre vários benefícios, tais como: a concessão de descontos nas multas, nos juros e nos encargos legais relativos a créditos a serem transacionados, que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação; o oferecimento de prazos e formas de pagamento especiais, incluídos o diferimento e a moratória; o oferecimento, a substituição ou a alienação de garantias e de constrições; o uso de precatórios ou de direito creditório com sentença de valor transitada em julgado para amortização de dívida tributária principal, multa e juros, entre os demais.

Dito isso, é importante avaliar os avanços e números da transação tributária no Brasil. De acordo com estudo realizado por pesquisadores do Observatório de Transações Tributárias, projeto de pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper, até 1o de julho de 2022, foram transacionados R$ 184,3 bilhões em débitos com a PGFN, após aplicados os percentuais de descontos, gerando uma arrecadação de R$ 14,5 bilhões até julho de 2022. Certamente esses números cresceram – de forma exponencial – em relação aos dias atuais.

Ainda no intuito de esclarecer dúvidas e aprimorar esse mecanismo do ponto de vista dos contribuintes, a PGFN e a RFB vêm criando canais de atendimento para o cidadão e empresas, audiências e consultas públicas. Recentemente, em 10 de janeiro de 2024, foi aberto um canal para receber sugestões de temas para os próximos editais de transação tributária do contencioso tributário, casos de grande impacto. Na visão do Fisco, essa iniciativa envolve a sociedade na busca de solução definitiva para controvérsias fiscais complexas.

Em que pese de tempos em tempos algumas medidas radicais por parte dos nossos governantes são publicadas, percebemos que na linha do tempo, em pequenos passos, a administração fazendária está mudando sua postura, agindo de forma mais aberta e participativa. Esse é um pleito dos contribuintes e da sociedade. A ideia é nivelar o entendimento de que o contribuinte possui direitos que deverão ser resguardados. Acordo com concessões mútuas são necessárias até mesmo para restaurar uma relação marcada por conflitos.

Outro ponto importante é que o instituto da transação poderá abordar outros benefícios aos contribuintes ou condicioná-los a novos critérios, levando em consideração até mesmo diretrizes mundiais. Por exemplo, a Portaria PGFN no 1.241/2023, ao alterar a Portaria PGFN no 6.757/2022, dispôs que na celebração das transações, serão observados e perseguidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sempre que possível. Isso significa que, nas transações tributárias, a PGFN poderá conceder prazo maior ou outros benefícios aos contribuintes que observarem aspectos ESG. Este é um grande avanço na consolidação dos aspectos ambientais, sociais e de governança na área pública.

No Estado de SP, foi publicada a Lei no 17.843/2023, que cria o “Acordo Paulista” e aperfeiçoa esse instrumento de solução de disputas, ampliando sobremaneira o programa de transação paulista, que permite o parcelamento de débitos inscritos em Dívida Ativa em até 145 vezes. Entre os benefícios da transação, há algumas inovações, a saber: a utilização de créditos acumulados e de ressarcimento do ICMS, inclusive na modalidade de substituição tributária e de créditos do produtor rural, próprios ou adquiridos de terceiros, devidamente homologados pela autoridade competente para compensação da dívida principal, multa e juros, limitada a 75% do valor do débito, e a utilização de créditos líquidos, certos e exigíveis, próprios ou adquiridos de terceiros, consubstanciados em precatórios decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado e não mais passíveis de medida de defesa ou desconstituição.

Nesse contexto, foi publicado, no final de 2023, o Convênio ICMS no 210, autorizando as unidades federadas a instituir transação nos termos que especifica, inclusive fazendo menção à Lei Paulista no 17.843/2023. Em 31 de janeiro de 2024, foi realizado o lançamento oficial do programa “Acordo Paulista”. Em seu discurso, a procuradora-geral de São Paulo, Inês Maria Coimbra, destacou que: “Além do incremento na transação tributária, o programa Acordo Paulista traz as melhores e mais modernas práticas na cobrança da dívida ativa. Isso irá viabilizar a diminuição da judicialização que consome um precioso recurso público e vai permitir uma atuação mais qualificada da Procuradoria-Geral do Estado”.

Na sequência, em 7 de fevereiro de 2024, foi publicada a Resolução da PGE/SP no 6/2024, que disciplina os procedimentos da transação de créditos tributários e não tributários e o primeiro edital de adesão (Edital PGE/Transação no 1/2024), que inaugura a transação por adesão no contencioso de relevante e disseminada controvérsia, possibilitando a regularização dos débitos de ICMS inscritos em dívida ativa, cujo prazo para requerimento será encerrado em 29 de abril de 2024.

No âmbito municipal, o Rio de Janeiro foi inovador no tema, com a publicação do Decreto no 50.032/2021, nos termos da Lei no 5.966/2015. Essa medida autorizou a possibilidade de transação, com eventual redução do principal, na hipótese de: (a) possibilidade de frustração da cobrança, com base na prova disponível ou os precedentes jurisprudenciais ou administrativos; (b) dificuldade de reversão de decisão judicial em instâncias superiores, notadamente nos casos de decisões fundamentadas em provas técnicas; (c) necessidade de tratamento isonômico entre contribuintes na mesma situação (fática ou jurídica) ou até mesmo (d) situações fáticas que justifiquem eventual revisão do lançamento.

O entendimento neste artigo não afasta a afirmativa de que a celebração de transação é conveniente para os entes federados, medida aliada aos esforços para equilibrar as contas públicas. No entanto, por outro lado, é um instrumento jurídico consensual e pragmático para solução de litígios, que, muitas vezes, é favorável aos contribuintes, promovendo a sua regularização com condições mais vantajosas de negociação dos débitos.

Fato é que a experiência está apresentando uma mudança de comportamento na relação entre Fisco e contribuinte. Há um movimento voltado ao estreitamento no diálogo entre a Fazenda e a sociedade, até mesmo no intuito de criar um arcabouço tributário mais justo e eficaz, dentro dos ditames da lei. Tomando como premissa a necessária evolução do sistema e a contínua busca pelo ponto de equilíbrio na arrecadação, há um grande espaço para evoluções. Esse é um caminho longo e necessário.

Publicado na revista Justiça & Cidadania.

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